*Luana Borges (especialmente para o blog)
“Era
a morte. Eu escolhi a vida”, são essas as palavras de Laura Brown – personagem
do filme "As horas", de Stephen Daldry
– ao justificar porque abandonou, nos anos de 1940, o marido, os dois filhos
pequenos e uma casa abastada em um bairro tranqüilo de Los Angeles.
“Você
acha que algum dia vou me libertar?”, essa também é uma fala do filme, dita pela
personagem que representa a escritora Virginia Woolf. No longa, a autora é retratada nos anos de
1920, período em que se exilava em um subúrbio de Londres. A essa época, lutando
contra a insanidade, ela concentra esforços à escritura de seu grande romance:
Miss Dalloway.
O
filme “As horas” traz então uma versão moderna para a Senhora Dalloway de Woolf,
encarnada na personagem Clarissa Vaughan.
Ela é uma editora que, assim como a protagonista do romance, tem um
único dia de sua história narrado: 24 horas que resumem as sensações de uma
vida inteira e que carregam um desfecho surpreendente. Na jornada, que se passa em 2001, ocorrem os
preparativos para uma festa. Nesse dia, a anfitriã Clarissa – que se esconde
sob o manto da autoconfiança, assim como Miss Dalloway – tristemente dirá: “parece
que estou me dissolvendo”.
As vidas dessas mulheres – a escritora Virginia Woolf nos anos 20, a dona de casa Laura Brown nos anos 40 e a editora Clarissa Vaughan nos dias de hoje – se entrelaçam no filme de Stephen Daldry. Inspirado em “Miss Dalloway" e baseado no romance "As horas", de Michael Cunninghan, o diretor mostra as sensações de suas heroínas em uma narrativa altamente psicológica. Nela se fundem, a partir de cortes temporais, três épocas diferentes e três mulheres distintas. Mas essas personagens têm em comum alguns pontos: o sentimento de clausura e a necessidade de matar certo espírito compassivo e profundamente abnegado que rondava suas vidas.
A escritora
Virginia Woolf – aqui se fala da personagem real e não da figura fílmica – vai explicar
em um discurso, proferido em janeiro de 1931 para a Sociedade de Mulheres
Trabalhadoras da Inglaterra, o que entende sobre este espírito terno e adulador:
“O fantasma era uma
mulher e quando vim a conhecê-la melhor eu comecei a chamá-la como a heroína de
um famoso poema, o Anjo da Casa. E quando vim a escrever encontrei com ela bem
nas primeiras palavras. A sombra de suas asas caiu sobre a página; eu ouvi no
quarto o roçar de suas saias. Ela deslizou por trás de mim e sussurrou: ‘minha
querida, você é uma moça. Você está escrevendo sobre um livro que foi escrito
por um homem. Seja complacente, seja terna, adule, iluda, use todas as artes e
truques de seu sexo. Nunca deixe ninguém supor que você tem uma vontade
própria. Antes de tudo, seja pura’. Eu me voltei contra ela e agarrei-a pelo
pescoço. Fiz o possível para matá-la. Minha alegação, se fosse levada a
julgamento, seria a de que agi em legítima defesa. Se eu não a tivesse matado,
ela teria me matado. Ela teria arrancado o coração de meu texto. Matar o
Anjo da Casa era parte das tarefas de uma escritora”.
No filme “As horas”, diferentes
mulheres –
dentre elas
a própria Woolf – conseguiram matar o Anjo da Casa em períodos vários da história. São espectros
complacentes que, à época de Virginia, diziam aos sujeitos femininos que eles
jamais poderiam agir em prol de suas próprias vontades, pois, antes, deveriam
sacrificar-se, apartando-se, em prol dos seus: marido, filhos, família. Sob
essa óptica, as mulheres deveriam se camuflar nos seus e, nunca, poderiam ter
um posicionamento aguerrido – e próprio – na esfera pública. Debatiam-se assim,
infelizes, no apartheid de seus lares. De acordo com a metáfora afiada
de Woolf, esses espíritos representem a anulação feminina. São os rastros deles
que influenciam de forma decisiva no final surpreendente em "As horas". Uma
película delicada e reveladora. Nela, a força de três mulheres, três gerações, na
tentativa de seguir os próprios destinos.
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O filme "As horas", será exibido nessa sexta-feira (09/03) às 19 horas,
no Goiânia Cine Ouro (ingressos: R$1), pela Semira Mostra Mulheres no Cinema.
O filme "As horas", será exibido nessa sexta-feira (09/03) às 19 horas,
no Goiânia Cine Ouro (ingressos: R$1), pela Semira Mostra Mulheres no Cinema.
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